Alternativo: Crônica #3 - Falso amigo



Um homem fumando ao longe.
       O sol já tinha se caído e a escuridão da noite tomará conta das ruas. Saindo daquele bar, onde passamos algumas horas bebendo e falando bobagens, eu lhe carregava em meus ombros até uma rua semi-deserta em direção a sua casa. Havia apenas um homem, aparentando 50 anos, fumando ao longe. Aqueles ventos fortes que denunciavam o temporal que estava por vir, não ajudavam a nossa situação. Minha bexiga estava cheia e eu precisava urinar novamente. Deixei-o sentado na calçada embaixo da luz fraca de um poste velho. Alguns segundos depois ouvisse um disparo, assustado volto até você. Sua jaqueta de couro estava furada na parte de trás, sua camiseta que antes branca tomava a tonalidade vermelha. Novamente lhe coloco em meus ombros, só que desta vez tomamos a direção contrária, estávamos indo até o hospital mais próximo. Meu suor começava a escorrer pela minha testa, mesmo estando frio e ventando forte, carregar outro homem nos ombros quando se está meio sóbrio ou bêbado  não é algo muito fácil. O hospital Dr. Dill Kinberg era um contraste naquela rua. Ele parecia ser um porto seguro para qualquer um que não fosse boêmio. As luzes brancas do hospital chamavam a atenção no meio de tantas outras como vermelhas e azuis. Em seu lado esquerdo era apenas um prédio velho e em sua direita havia o tão famoso Mercado Azul, principal ponto de prostituição da cidade.
Execução
 O som de socos abafados de homens brigando, o gemido de mulheres, a gritaria de discuções, e mais e mais disparos. Enquanto lentamente arrastávamos os pés até chegar em porto seguro, víamos um homem sobre outro, o de baixo já ensanguentado estava prestes a ser executado. Eu não conseguia saber se ter de passarmos ali era bom ou ruim. Se por um lado ninguém nos ajudaria no socorro, pois todas as pessoas ali pareciam já estarem acostumadas com aquele lugar doentio. Por outro o hospital que já deveria ser acostumado a receber pacientes com balas cravadas em seus pulmões, eu não precisaria responder milhares de perguntas e a policia não se envolveria.
Dou uma longa tragada
   Após todo o procedimento padrão, você estava deitado em uma cama de um dos vários quartos daquele lugar. Com os olhos semi-abertos, as palavras de sua boca saem lentamente e em tons baixos formando a pergunta: - O que houve? Vou até uma mesa pequena em frente a única janela daquele quarto e sento-me em uma cadeira simples de aço. Puxo um cigarro e um isqueiro, acendo-o - eu sei que é proibido, mas dane-se - dou uma longa tragada e começo a falar.
"Não lhe chamei hoje para beber porque sou teu amigo. Eu não estava mijando quando você começou a sentir o sangue escorrer. Não lhe trouxe aqui porque tenho compaixão. Há algumas semanas eu estava desconfiado, como um típico clichê, sim minha mulher estava me traindo. Bem, descobrir quem era o amante foi fácil, mais e aí? Eu teria que pedir divórcio? Iria fugir? Chorar? Cometer suicídio? Não...Ela merece muito mais do que um marido morto. Ela merece muito mais do que se livrar de mim, com a casa em mãos e com o seu affair Eu precisava de algo grande, algo que realmente a deixa-se mal. Precisava que ela sentisse  um sentimento de perda...ou dor...ou raiva...ou... tanto faz". 
          Mais uma tragada. Saio da cadeira e vou até a janela. Era noite de lua cheia então estava claro, uma belíssima noite de chuva. Os ventos ainda fortes que se estendiam por toda a cidade assobiavam, um som tão sombrio quanto relâmpagos e trovejadas. O seu reflexo no vidro da janela com gotas de água que disputavam uma corrida até a borda inferior fazia com que surgisse um leve sorriso em mim. Esta cena fazia-me imaginar o rosto de espanto de minha futura ex-mulher ao ver um rosto familiar dentro de um caixão de madeira escura quando eu a convidasse a vir comigo ao funeral de um "amigo".
...fumar na cama após o sexo.
"Lembra que você sempre reclamava que perdia suas coisas? Que não lembrava se tinha vendido ou jogado fora? Bem... Aquela caneca em forma de coração que xícara em sua estante era a mesma que presenteei minha esposa em seu aniversário. Aquele cinzeiro em forma de dado gigante também foi um presente, mas não por uma data especial e sim, pelo vicio em comum entre nós dois de fumar na cama após o sexo. E você tinha ele exatamente no lugar mais adequado... encima do criado mudo ao lado de sua cama."
Outra tragada longa, seguro a fumaça e vou até você, inclino-me um pouco souto-a em seu rosto e recomeço.
"Eu fazia questão de pegar de volta todos estes presentes e repor em algum bem visível e movimentado de minha casa para ver a reação dela. O que você acha que ela falava? Querido você foi até meu amante e pegou de volta o nosso cinzeiro?Aí que lindo!
E hoje no bar você resolveu contar suas noites com a sua "garota", né? Confesso foi humilhante escutar aquilo, ter que rir ao mesmo tempo que imaginava a cena."
Dei a volta até o outro lado de sua cama até os aparelhos respiratórios. Comecei a análizar-los, então sinto a sua mão segurando meu pulso. - Por favor, não! - seu medo não era exatamente o que eu queria, mas foi ótimo ver o que você sentia. - Não se preocupe, você não fará esta viajem sozinho, você é apenas o primeiro passageiro.
Dois dias depois assim como você, minha mulher tomou o mesmo rumo.